Mariana van Zeller. A jornalista de investigação que vai ‘a fundo’ na empatia

Mariana van Zeller tem investigado, como jornalista, algumas das realidades mais duras, desde tráfico de drogas e armas à imigração ilegal. Porém, deste contacto, retira sobretudo lições de empatia.

Eu sou uma imigrante que teve o privilégio de vir para este país, de que eu gosto tanto, e construir uma carreira”. Foi desta forma que a jornalista portuguesa Mariana Van Zeller se apresentou em palco no passado mês de junho em Nova Iorque, no seu discurso de agradecimento, na noite em que recebeu quatro Emmys pela série Na Rota do Tráfico — Submundos.

A imigração é um tema quente da atualidade, e o qual Van Zeller tem vivido na primeira pessoa: a jornalista, cujo apelido tem raízes holandesas, nasceu em Cascais, mas mudou-se para Nova Iorque para estudar e, mais tarde, escolheu Los Angeles para viver. Nesta cidade, diz ter assistido à “realidade devastadora de milhões de pessoas sem documentos”, as quais fez questão de enaltecer no mesmo discurso, no palco da cerimónia dos Emmy: “São nossos vizinhos e amigos que trabalham incansavelmente todos os dias para construir as nossas comunidades e alimentar a nossa economia. E agora, numa cruel mudança de destino, foram transformados em bodes expiatórios”, por um sistema que os deixa “desprotegidos e vulneráveis” enquanto beneficia do seu “trabalho árduo”.

Contudo, o contacto de Van Zeller com esta realidade vai além da sua própria narrativa. Como jornalista, acompanhou também as histórias de outros imigrantes, em situações mais desfavorecidas.

A primeira reportagem que fez para um canal de televisão americano foi a bordo do chamado Comboio da Morte, um comboio de carga que viaja do sul do México até à fronteira com os Estados Unidos. “Os imigrantes vão literalmente pendurados, às vezes em cima, no topo do comboio. E muitos caem, morrem, ou perdem braços e pernas”, conta.

Van Zeller fez a travessia, à semelhança de muitos dos imigrantes, no topo do comboio, com o objetivo de entender a dificuldade do percurso. “Andei só umas horas. Isto são dias e dias de viagem”, relativiza. Antes de embarcar, conheceu numa clínica um homem que tinha perdido um braço neste trajeto e, quando chegou o dia de a própria Mariana van Zeller iniciar viagem, encontrou-o pronto para nova tentativa. “Marcou-me muito. Tu percebes a vida que estas pessoas têm, o desespero que têm“.

Quando questionada se a imigração é um tema ao qual pretende voltar como jornalista, van Zeller indica que, para já, não tem planos concretos nesse sentido, mas que é um tema que se mantém “no topo” da sua lista. Uma lista longa, com um traço em comum: “são temas que estão diariamente nos cabeçalhos mas que as pessoas, em geral, não têm acesso“, resume.

Imigração, armas, drogas, esquemas e fraudes, são realidades que Mariana van Zeller tem procurado visitar ao longo da sua carreira e trazer para os ecrãs. É uma mescla destes assuntos que a jornalista — e, neste caso, também produtora — expõe através da série que lhe valeu os quatro galardões no âmbito dos Prémios Emmy de Notícias e Documentário deste ano, e que já lhe havia entregue outros cinco destes prémios no ano anterior, na sequência da primeira edição da série. Em A Rota do Tráfico — Submundos, Mariana van Zeller investiga mercados negros, desde o tráfico de noivas até milícias e corridas de rua ilegais.

Tendo em conta a natureza dos assuntos que investiga, a jornalista confessou, em entrevista recente à RTP, que já se deparou com “situações desconfortáveis”, de tiros e de ameaças. “Não gosto de dizer vida ou morte, porque não gosto pensar muito nisso“, confessa. Já em declarações ao Observador, explicou que a melhor forma de se salvaguardar é com a devida preparação, embora nunca retire o nervosismo nem todos os riscos possíveis.

A importância do jornalismo, especialmente do jornalismo de investigação, é tentar encontrar a verdade e mostrar as partes dos governos e da sociedade que não estão a funcionar

Apesar de lidar frequentemente com realidades duras, convivendo com criminosos que vão desde ladrões a traficantes de droga, van Zeller diz encontrar “esperança” nestes contactos à margem da sociedade. “Consigo sempre encontrar pessoas que são redimíveis, com as quais consigo ter uma conexão humana, mesmo os criminosos“, afirmou ainda à RTP. Atribui à desigualdade e falta de oportunidades a presença destes no mundo do crime. Um contexto de desigualdade que, reconhece, tem vindo a crescer.

É também tendo em conta a difícil realidade em que muitos vivem que acredita no valor do jornalismo. “A importância do jornalismo, especialmente do jornalismo de investigação, é tentar encontrar a verdade e mostrar as partes dos governos e da sociedade que não estão a funcionar“, considera. “Não é barato, não é sem risco, mas não deixa de ser fundamental para a saúde da nossa democracia”.

Questionada sobre se o público em geral valoriza o jornalismo de investigação, van Zeller acredita que sim, e que os vários episódios de A Rota do Tráfico provam isso mesmo. “O que falta não é audiência, o que falta é vontade de investir neste tipo de jornalismo”, atira, ao mesmo tempo que afirma que, muitas vezes, se subestima o público. “Acho que o importante é puxarmos para cima, e não para baixo”, defende, referindo-se à qualidade dos conteúdos.

Os Emmys são “um lembrete da responsabilidade sagrada de fazer brilhar uma luz mais intensa e empática sobre estas realidades complexas”

Foi precisamente com esta mentalidade e sentido de missão que subiu ao palco dos Emmy. No mesmo discurso no qual acolheu os imigrantes, considerou os prémios que lhe entregaram “um lembrete da responsabilidade sagrada de fazer brilhar uma luz mais intensa e empática sobre estas realidades complexas“, daqueles que “são forçados a trabalhar e viver na sombra”.

De Cascais para o mundo, e quiçá de volta a Portugal

A paixão com a qual Mariana van Zeller fala da profissão que abraçou não é de hoje. Desde os 12 anos que se apresenta com a certeza de querer ser jornalista. “Decidi mais cedo do que a maior parte das pessoas o que queria fazer, e tenho muita sorte por isso”, considera. Van Zeller recorda-se de assistir sempre ao jornal da noite, com a família, na televisão pública, antes de se deleitar com as novelas brasileiras. Ficava pasmada com a habilidade dos pivôs, que falavam sobre tudo o que se estava a passar, em todo o mundo. “Pensava que eram as pessoas mais inteligentes, com maior memória do mundo, com tanto conhecimento… sem saber que estavam a ler o teleponto“, ri-se, com carinho. É assim que se lembra de nascer o fascínio pelo jornalismo e de começar a formar a sua decisão.

Na altura de escolher um curso superior, chegou a frequentar a Universidade Lusíada de Lisboa, onde estudou Relações Internacionais, mas o sonho estava mais longe, do outro lado do Atlântico. Candidatou-se por três vezes ao mestrado de Jornalismo na Universidade de Columbia, em Nova Iorque. Inquieta com a espera, não quis deixar o seu destino à sorte, e conta que foi pessoalmente apresentar as suas intenções ao reitor. Depois deste episódio, acabou por conseguir a vaga que ambicionava.

Mariana van Zeller. (Credit: National Geographic)

Corria o ano de 2001 quando iniciou os estudos na universidade norte-americana. Um ano que foi marcante para o mundo e para a carreira de Mariana van Zeller, que se encontrava em Nova Iorque quando aviões se despenharam contra as Torres Gémeas, eternizando o 11 de setembro. Uma vez que havia estagiado na SIC antes de fazer as malas para os Estados Unidos, acabou por ser contactada pela estação para fazer um relato, em direto, do que estava a acontecer.

Em múltiplas intervenções, a jornalista recorda o êxtase que sentiu no momento em que se juntou aos colegas, no topo de um edifício, para fazer o relato que lhe era pedido. E partilha também o impacto avassalador de, após esse entusiasmo, começar a assentar a dimensão da tragédia, e começarem a surgir as primeiras questões na sua cabeça sobre os motivos e os envolvidos. Foi um dia de grandes lições: foi jornalista num momento histórico e, ao mesmo tempo, decidiu que não queria tratar as questões pela rama. Queria ir mais a fundo. Queria investigação.

Desde então, tem sido esse o sentido do seu percurso, que passou pela Current TV, o canal de televisão cofundado por Al Gore, o ex-vice-presidente dos Estados Unidos, na qual foi correspondente do programa “Vanguard”, colaborou com a Fusion TV e com a Vice News e, finalmente, tornou-se correspondente da National Geographic.

Mas o jornalismo não é a sua única paixão: a outra, encontrou-a pelo caminho, e tem-na acompanhado ao longo do percurso profissional. Trata-se do atual marido, Darren Foster, com o qual se cruzou na universidade de Columbia, como colega de turma, e com quem diz continuar a aprender. Foster é realizador e produtor na National Geographic, e mantêm uma relação que já conta quase duas décadas.

A relação deu frutos não só no que toca ao jornalismo: têm um filho, Vasco, de quem a mãe confessa adorar falar. À RTP, contou que o primogénito é “um aventureiro”, que “adora descobrir o mundo”, e cujo nome partilha, propositadamente, com Vasco da Gama, que era um herói de infância de Darren.

Sobre Portugal, diz ter sempre saudades, mas que já viveu 25 anos da sua vida no país, pelo que mantém a vontade de conhecer mais mundo. É o marido quem mais está convencido de que, um dia, viverão em Portugal. No entretanto, a jornalista vai propondo trabalhos que a tragam para mais perto do país de origem.

Na quarta temporada da Rota do Tráfico, chegou a fazer algumas filmagens em Portugal, acompanhando a rota desta droga, que passa por Espanha e Marrocos. Por agora, não tem mais projetos planeados em terras lusas, mas diz-se “aberta a ideias”, já que gosta sempre de regressar.

 

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Mariana van Zeller. A jornalista de investigação que vai ‘a fundo’ na empatia

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião